Enquadramento

A quadra do Natal é intensamente vivida pela grande maioria dos habitantes da ilha da Madeira, através de celebrações prolongadas de feição muito própria. A árvore de Natal, ou o pinheirinho da Festa, assumiu contornos muito específicos ao longo dos tempos. A utilização e conjugação criativa dos poucos recursos disponíveis em outras épocas permitiu que surgissem alguns pinheiros bastante alternativos e engenhosos, exclusivos de uma certa forma de sentir e viver o Natal na Ilha da Madeira.

Assim, do ponto de vista botânico e cultural, um pinheirinho da festa madeirense pode assumir, ainda na actualidade, muitas configurações: um comum pinheiro bravo (Pinus pinaster) de pequeno ou médio porte, enfeitado posteriormente com balões e gambiarras; um ramo de nespereira (Eriobotrya japonica) com flores de perfume intenso e folhas posteriormente cobertas com purpurina fina; um ramo ou árvore juvenil de azevinho madeirense (Ilex perado); ramos secos de outras árvores cobertos de líquenes.

Em paralelo, usam-se muitas outras plantas que são, por esta altura, abundantes na ilha e nos vasos e jardins de alguns lares: as cabrinhas (Davalia canariensis), o alegra-campo (Semele androgyna), a orquídea da festa(Cymbidium tracyanum), os sapatinhos (Paphiopedilium insigne) ou os cachos de inflorescências de ensaião (Aeonium arboreum), capazes de provocar cinestesias onde o Natal é rememorado pelas fragrâncias, emanadas destes bocados da Natureza fresca, de Dezembro.

Uma outra versão ainda possível do pinheiro de natal à maneira madeirense é aquela em que este se apresenta como um híbrido entre árvore e presépio: no sopé, desenvolvem-se então miniaturas perfeitas da orografia acidentada da ilha que albergará sempre, algures num buraco da rochinha, a encenação do nascimento de Jesus, rodeado de uma parafernália de objectos e frutas várias que ali ficam a murchar e a apodrecer, porque o pinheiro depois de feito, advertiam os adultos às crianças, era só para olhar!

Pinheiro d’Olhar 2011 é uma exposição que reúne um conjunto de doze trabalhos artísticos que interpretam e recriam a ideia de pinheiro de Natal. Este projecto foi desenvolvido por 12 criadores regionais a partir de uma estrutura modular única, feita de metal e revestida a tela, e apresentado nas primeiras edições no espaço Infoarte da Secretaria Regional do Turismo e Cultura. Na primeira exposição ocorrida no Natal de 2009, foram apresentadas propostas de: Dina Pimenta, João Egídio, João Pestana, Lilia Pimenta, Martinho Mendes e Sílvio Cró. Na edição de 2010 foram mostrados os trabalhos de: Gonçalo Martins, Guareta Coromoto, Hélder Folgado, Isabel Natal, Roberto Correia e Teresa Gonçalves Lobo.

Esta mostra em circuito aberto permite-nos realizar várias leituras e interpretações, subentendendo-se neste conjunto de trabalhos uma referência aos doze meses do ano.

Dina Pimenta subverte, na primeira versão, a orientação da estrutura cónica de base e sugere-nos, como aos olhos de uma criança, a perspectiva de uma árvore em que o tronco passa a ser a parte mais visível em detrimento de uma copa que se afasta na invisibilidade da altura.

Gonçalo Martins assume uma atitude provocatória e irreverente, revelando interrogações pessoais onde evoca a religião e questiona o seu papel na actualidade.

Guareta Coromoto apresenta uma árvore de grande expressividade gestual e pictórica que explora a relação entre a organização e o caos inerente aos preparativos domésticos da quadra festiva.

Hélder Folgado problematiza as relações de conflito entre o natural e o artificial, numa reflexão marcadamente ambientalista.

Isabel Natal parte de memórias e efabulações pessoais de criança em torno da vivência do Natal. O sapato e os seus laços dão lugar a um híbrido entre a pintura e a escultura.

João Egídio cobre a estrutura de base com diversos sapatos que recolhe junto das pessoas que constituem a sua rede de contactos e amizades, numa abordagem que nos remete para o papel do sapatinho no Natal enquanto contentor para as prendas.

João Pestana usa a fotografia para trabalhar a metáfora da árvore-mulher cujos braços cruzados pelas faces da estrutura piramidal, sugerem ramos de uma árvore carregada de sensualidade.

Lilia Pimenta recria os antigos envelopes de correspondência através de uma árvore que alude claramente às cartas escritas e aos postais enviados aos amigos e familiares distantes. Como elementos e registos que serviam de presença daqueles que estavam ausentes, estes postais e cartas eram pendurados directamente nos pinheiros de natal ou colocados na sua proximidade.

Martinho Mendes apela à reflexão ecológica e preservação do ambiente através de um trabalho metafórico que representa a submersão de um planeta em consequência das alterações climáticas.

Roberto Correia representa o grotesco da tradicional matança do porco.

Sílvio Cró explora o conceito de luz apresentando-nos uma gambiarra inquietante, capaz de estabelecer pontes com outros territórios e problemáticas actuais que merecem toda a nossa atenção.

Teresa Gonçalves Lobo recria o interior da estrutura, representando a árvore como um corpo vivo alimentado por uma rede venosa, que se desenha tridimensionalmente no espaço.

Martinho Mendes


Imagens da exposição Pinheiro d’olhar, edição de 2009, no interior do Espaço Infoarte.
Pictures from the exhibition Pinheiro d’Olhar, 2009 edition, inside the Espaço Infoarte.

Imagens da exposição Pinheiro d’olhar, edição de 2010, no interior do Espaço Infoarte.
Pictures from the exhibition Pinheiro d’Olhar, 2010 edition, inside the Espaço Infoarte.


The Christmas holiday is intensely lived by the vast majority of the inhabitants of the island of Madeira, through continuous characteristic celebrations of their own. Through time, the Christmas tree or “pinheirinho da Festa”, took a very specific outline. The creative use and combination of the few resources available of other times, allowed for more alternative and quite ingenious versions of Christmas trees to emerge; exclusive in the way of experiencing and living Christmas in the Island of Madeira.

From a botanical and cultural point of view, a madeiran Christmas tree (“pinheirinho da Festa”), could be many things: a pine tree (Pinus pinaster), small or medium-sized, decorated with lights and balloons; a branch of loquat (Eriobotrya japonica) with flowers of intense fragrances, and leaves that are covered with fine glitter; a tree branch or juvenile Madeiran holly (Ilex perado), dried branches of other trees covered with lichens.

Many other plants abundant on the island this time of year and in pots and gardens of some homes, are used in decorations, such as: a madeiran fern (Davalia canariensis), the climbing butcher’s broom (Semele androgyna), the feast orchid (Cymbidium Tracyanum); the Lady Slippers (Paphiopedilium Insigne) and branches of “Ensaião” (Aeonium arboreum), all capable of causing synesthesia, making Christmas a recollection of fragrances that emanate from these bits of December’s fresh nature.

Yet another possible version of the Madeiran Christmas tree is a hybrid between a tree and the crib: at the foot there’s the perfect miniature rugged terrain of the island and a cave that holds the scene of the birth of Jesus, surrounded by a plethora of objects and many fruits that shrivel and rot because after it’s made, adults warn the children: just to look!

Pinheiro d’Olhar 2011 it’s an art exhibition that gathers a combination of twelve creative pieces that interpret a different concept of the Christmas tree. This project was developed by twelve regional artists, from a singular modular structure made of metal and coated with canvas; it has two previous editions that were exhibited at “Espaço Infoarte” in the Regional Secretariat of Tourism and Culture. The first, occurred in Christmas 2009, showing the art work of the following artists: Dina Pimenta, João Egídio, João Pestana, Lilia Pimenta, Martinho Mendes and Sílvio Cró. The second exhibition, in 2010, displayed the art work of six other artists: Gonçalo Martins, Guareta Coromoto, Hélder Folgado, Isabel Natal, Roberto Correia and Teresa Gonçalves Lobo.

This showing with an open circuit, allows us all kinds of interpretations with different meanings, existing in this combination of works an implied reference to the twelve months of the year.

Dina Pimenta (in the first version) subverts the orientation of the conic structure of the base, giving us a different perspective, through a little child’s eyes, where the trunk is the most noticeable part of Christmas tree, instead of the top that pulls away in invisibility due to its height.

Gonçalo Martins follows his personal interrogations, taking on a provoking and irreverent approach, by evoking religion and questioning its role nowadays.

Guareta Coromoto displays a tree of great gestural and pictorial expressiveness, which explores the relation between the organization and the chaos that results of the preparations for this festive holiday.

Hélder Folgado discusses the relation of conflict between the natural and the artificial, a noticeably environmentalist reflection.

Isabel Natal created her tree from memories and personal fables of her childhood, around the experience of Christmas. The shoe and its laces give rise to a hybrid between painting and sculpture.

João Egídio covers the structure of the base with shoes that he gathered from his friends and acquaintances, an approach that brings us to the tradition of the shoe (similar to Christmas stocking) as placement for the gifts.

João Pestana used photography as a metaphor of a woman-tree, where her crossed arms repeated on the pyramidal structure’s face, suggest branches of a tree filled with sensuality.

Lilia Pimenta recreates the envelopes from other times, in a clear allusion to the letters and postcards sent to friends and distant relatives. As information and element representing the presence of those who were absent, these cards and letters were hung on Christmas trees or placed in their proximity.

Martinho Mendes appeals to ecological thinking and protection of the environment, through a metaphorical piece that represents the submersion of a planet as a consequence of the climate change.

Roberto Correia displays the grotesque of the traditional killing of the pig.

Silvio Cró explores the concept of light showing us a disquieting “gambiarra” (Christmas lighting), able to establish connections to different areas and current issues that deserve all of our attention.

Teresa Gonçalves Lobo recreates the inside of the structure, representing the tree as a living body, fed by vein netting that draws itself tridimensional in space.

Martinho Mendes